Embora hesite em me afiliar totalmente a alguns conceitos do livro, muitos dos quais não são definidos com precisão (ex atraso, civilização, etnia, matriz formativa, gênero humano, dentre outros), O Povo Brasileiro é escrito com o coração de quem ama o Brasil e com a desenvoltura de quem compreende bem os traumas e singularidades de nossa formação.
Há um esforço claro de forjar na alma do livro certa consciência e sentido, uma espécie de consenso relativo ou trabalho de síntese sobre quem somos. Acredito que por isso talvez O Povo Brasileiro seja uma salada tão grande entre tantas teses diferentes sobre nossa formação (embora não contraditórias, pelo menos nessa primeira lida). Nessas horas compreendo o porquê de Darcy ter sido criticado, por um lado, por ser marxista demais; e por outro, por ser marxista de menos. Não nego também que minha relativa dificuldade em assimilar alguns conceitos e teses se explica pela carência de contato com a antropologia como área de estudos, o que não me permitiu apreender com confiança algumas ideias expostas pelo Darcy.
Considero O Povo Brasileiro um esforço válido e bastante fecundo, sobretudo para os que estão tentando compreender “de primeira viagem” o que é o Brasil e o povo brasileiro. Por isso, indico totalmente como um texto introdutório. Darcy não deixa de dialogar com os nossos clássicos e por isso se insere na tradição sociológica brasileira sem rejeitá-la por inteiro, diferente do que tem feito alguns sociólogos contemporâneos com mania de grandeza. Acredito que O Povo Brasileiro se insere também, contextualmente, em uma série de escritos que depositam muita esperança na redemocratização, que ainda não tinha dito pra que vinha e que necessitava de braços para a sua futura construção. O Povo Brasileiro é, de certa forma, um “olhar pra trás pra prefigurar o Brasil que há de ser”.
A quarta parte do livro (Os Brasis na História) foi sem dúvidas a parte que mais contribuiu com elementos novos pra >minha< interpretação de Brasil, pelo menos em comparação com a primeira e segunda partes (O Novo Mundo, Gestação Étnica e Processo Sociocultural). É possível argumentar mesmo que existem trabalhos mais completos discutindo a formação do Brasil como simultaneamente uma colônia voltada para fora, a brutalização do negro na sociedade de classes e a síntese do elemento nativo indígena com o invasor português (questões abordadas na primeira e segunda partes do livro). O que importa em Darcy, contudo, é mais uma exposição sintética dotada de sentido e significado para que ela possa dialogar de forma mais maleável com os muitos “Brasis” de hoje do que um longo trabalho de fôlego sobre o Brasil colonial. Aliás, mesmo não sendo uma exposição detalhada ou particularmente inovadora, essas partes ainda tem muito a dizer e apresentam elementos importantes pra pensar o Brasil. Nada a reclamar!
Ainda preciso quebrar a cabeça sobre certos pontos do livro (alô estrutura de classes esquisita). Certamente vou revisitar no futuro e talvez complemente com outras obras desse grande brasileiro que foi Darcy Ribeiro. Recomendo!