
O livro me surpreendeu muito. Não esperava uma história de amor centrada em um casal branco, mas me peguei torcendo por eles. Mas não mais do que pelas duas personagens negras que mais aparecem, apesar de aparecerem pouco. No início do livro achei que não gostaria da história, mas no final estava nervosa e focada em tudo que acontecia. Foi uma excelente construção do enredo e das reviravoltas.
Minha edição possui 320 páginas, das quais apenas umas 50 constituíram-se de uma leitura boa.
Muito arrastado e algumas cenas me deixaram com tanta raiva. Eu entendo que a ideia era mostrar que a vida na ilha não era fácil, mas cansou demais. E, além disso, foi difícil me fazer vale da suspensão da descrença em muitos episódios.
Ok, preciso admitir que foi uma boa experiência de leitura. Não me decepcionou tanto quanto eu achei, tendo em vista a maioria das leituras que fiz de policiais. Aparentemente os suecos sabem escrever noir mesmo. Apesar de ter gostado, de a narrativa não ter os milhares de defeitos que eu sempre enxergo nos detetives machos escrotos, eu adivinhei tudo com 1/4 do livro. Mesmo assim o final foi muito satisfatório.
A escrita do Murakami é maravilhosa. O mundo que ele criou e a história são incríveis. Mas ele faz questão de lembrar que quem escreveu foi um homem: alguns momentos o protagonista se refere às personagens femininas de uma forma muito urghh e a forma como elas agem também é muito a partir de uma visão fetichista. Já tinha notado isso em 1Q84.
Esse foi o meu primeiro contato com uma obra de Pelecanos. Eu sei do currículo extenso dele (como roteirista e escritor), mas nunca vi nenhuma das séries em que ele trabalhou (a mais famosa delas eu acho que foi The Wire) e nem tinha lido nenhum de seus livros. Confesso que no início estava com pouco interesse pelos personagens e pela trama em si (um crime que remontava a uma série de assassinatos que ocorreram em 1985 precisava ser desvendado).
Até mais ou menos a página 150/160 eu estava enrolando na leitura de um jeito que estava me incomodando. Nada acontecia, o crime parecia não ter qualquer relação com as tramas pessoais apresentadas e eu não estava satisfeita com o clima geral do livro. Felizmente, depois disso a coisa começa a engrenar. Tudo fica mais ágil e um interesse começa a surgir pelo desenrolar de tudo.
Eu não sou a maior fã de romances policiais. Já li alguns e na maioria das vezes fiquei extremamente decepcionada com a forma como as mulheres são retratadas ou como os clichês se repetem exaustivamente. Pelecanos me surpreendeu positivamente nesse aspecto, embora em alguns momentos eu sentisse uma pitada de “eu sabia que ia cair nessa descrição objetificante“nas apresentações das personagens femininas. No entanto, esses momentos não foram tantos quanto em outros livros e nem foram tão descarados também. Mas o mais surpreendente foi a forma como a questão da homossexualidade masculina entre a população negra foi abordada. Fiquei bem feliz com isso e como esse elemento trouxe uma força maior para o enredo e para o desenvolvimento de um dos personagens.
A segunda metade do livro parece deixar mais em evidência questões sociais e raciais, problematizando um pouco menos do que eu gostaria, mas trazendo à tona debates essenciais para pensar a realidade das comunidades afro americanas e o papel da polícia nos Estados Unidos dos séculos XX e XXI. Mas algumas coisas das subtramas pareciam meio forçadas, ou pelo menos não me pareceram estar muito bem encaixadas na trama principal. Porém, o final surpreendente pareceu apagar um pouco esses descontentamentos ao longo da leitura.
Finalmente posso dizer que eu li um romance policial e gostei. Coisa rara e que não acontecia desde, pelo que me lembro, a leitura da trilogia Millennium. Mas não se tornou um favorito
A sátira de Augusto Boal tem altos e baixos. A narrativa é construída em torna da espiã Jane Spitfire, a melhor espiã de todos os tempos, a mais linda, a mais inteligente, a mais habilidosa, a mais tudo e qualquer coisa. Infelizmente, apesar da protagonista feminina, Boal falha com a representação feminina em seu primeiro e único romance policial.
Jane é uma personificação do imperialismo estadunidense e, portanto, sua trajetória é justamente implementar as vontade de sua pátria em um pequeno país fictício da América Latina. Como ponto positivo, a narrativa constrói situações e descrições muito condizentes com a realidade brasileira e de seus países vizinhos na década de 1970 (quando o livro foi escrito, originalmente) e, coincidentemente, muita coisa bate com o que ocorre atualmente em nosso país. As fórmulas mágicas que ela precisa encontrar e aplicar para libertar o país daqueles que usam da liberdade para acabar com ela (como ela chama todo o espectro da esquerda, de acordo com o ponto de vista ianque) são bem interessantes. No entanto, as artimanhas utilizadas pela espiã são sempre muito bizarras, para dizer o mínimo.
A personagem concentra em sua personalidade todos os clichês de novelas de espiões (intenção de Boal) e também uma sexualidade exagerada, estereotipada. A ágil protagonista usa e abusa de suas artimanhas sexuais para conseguir tudo o que quer, ultrapassando em muitas cenas as barreiras do absurdo. Como se não bastasse, ela é estuprada um par de vezes e nem sequer reclama do que aconteceu, inclusive reclamando quando não é vista com um desejo malicioso pelos homens da trama, cada qual mais escroto que o outro.
Além dos poucos momentos em que situações de crítica evidente são relatadas, o penúltimo capítulo - em que Jane tem um pesadelo, depois de resolver toda a missão que lhe foi delegada - é, sem sombra de dúvidas, o que me agradou mais. Boal usa o pesadelo da espiã para descrever como a ditadura no Brasil (e todas as ditaduras militares da América Latina) funcionavam. Eu achei esse o melhor ponto do livro todo, e na verdade, para mim, salvou a novela policial de ser um fracasso completo.
O livro tem uma premissa muito interessante, mas a maior parte da narrativa é bem monótona. Vale por umas sacadas muito boas e principalmente pelos três últimos capítulos que são realmente interessantes e fazem o livro todo valer a pena de ser lido - mesmo que a classificação de livro de humor não seja verdadeira, pelo menos no meu caso, que não achei o livro tão engraçado a ponto de dar gargalhadas, apenas alguns sorrisos em trechos esparsos.
Para ter uma ideia, demorei dois meses para terminá-lo, pois a cada capítulo lido eu ficava pelo menos uma semana sem tocar no livro simplesmente porque ele não me atraís de forma alguma. Já os três últimos capítulos me prenderam tanto que nem dei bola para o mundo acontecendo ao meu redor. E eu fiquei bem feliz com o final. Várias vezes durante a leitura fiquei me perguntando como poderia terminar um livro em que a mãe é capaz de se travestir de criança para fazer um exame de admissão no lugar da filha. Felizmente o final não decepciona, e apesar de não acontecer o mais esperado (o que seria também um desapontamento), o que acontece deixa uma sensação de acalento, um afago leve no leitor.
Em Histórias do mundo para crianças, Dona Benta conta para os netos e para a boneca Emília toda a História do mundo até a II Guerra Mundial (já que o livro foi escrito logo depois de seu término). O formato é de contação de histórias, ela conta um pouquinho dos fatos e dos personagens importantes da nossa História um pouquinho por noite, com algumas interrupções de Emília e diálogos com Narizinho e Pedrinho.
A leitura do livro ocorreu aos poucos, eu lia aos poucos, um pouquinho de História sempre que sobrava tempo. A narrativa é leve e fácil, pois Dona Benta está falando de algo bastante complexo de forma que as crianças entendam, tanto as personagens do livro quanto aquelas que lerão o livro. Eu já não sou mais criança, mas nem por isso deixei de aproveitar o livro, de curtir as piadas de Emília, de entender os questionamentos das duas crianças e das posições de Dona Benta. E isso é uma das melhores coisas do livro: a História não é tratada como algo estático, único e imparcial. Fica muito claro no discurso de Dona Benta que a História é contada por alguém e que, portanto, ela narra a partir do ponto de vista de quem narra.
Além de ser um excelente livro para quem gosta de História, eu acredito que ele deveria ser lido por todas as crianças, seja para conhecer a História, seja para tirar aquela marca de que estudar essa disciplina é muito chato, fato é que é um livro importante para a formação intelectual de todas as crianças. Uma pena que eu não o li quando era criança. Mas antes tarde do que nunca.
Além disso, como sou formada em História eu prestei bastante atenção em trechos que eu poderia usar em sala de aula. Sou uma entusiasta do uso da Literatura na aula de História e muitas das histórias de Dona Benta são ótimas para usar com alunos dos 6º e 7º anos. Pensei em muitos usos didáticos para o livro de Lobato. A própria definição de História dada por Dona Benta é muito boa, ela faz uma interessante metáfora que explica porque a História Universal é na verdade a História do Ocidente.
Esse livro me agradou de muitas maneiras: por ser uma narrativa gostosa de ler, por trazer questões importantes para reflexão, por possuir uma versatilidade que permite diversos usos de seu texto (a sala de aula é apenas um deles, que eu me apeguei devido as minhas escolhas pessoais). E não importa se o leitor não é mais criança, Monteiro Lobato é leitura obrigatória.
No primeiro volume do Ficção de Polpa da Não Editora vários escritores brasileiros foram convidados para formar a coletânea com a proposta de criar um conto de ficção científica, fantasia ou horror com completa liberdade temática. A ideia é super bacana, tanto que já rendeu quatro volumes da coleção. Mas até agora eu li apenas o primeiro, e posso falar que a ideia, além de bacana, deu super certo.
Fiquei muito surpresa com a qualidade dos contos. Todos muito bons. Claro que alguns se destacam, são incríveis e deixaram aguçada a vontade de ler mais coisas dos seus autores. E o mais bacana de tudo foi que todos os autores aproveitaram a liberdade para criar e conseguiram mesclar essa tradição atribuída aos norte americanos de criar terror e fantasia (o que eles fazem muito bem, sem sombra de dúvidas) com uma brasilidade que não parecia forçada.
Os contos fluíam muito bem, e não foi preciso inserir elementos fantásticos da cultura brasileira como o Saci Pererê ou a Mula Sem Cabeça para que eles fossem genuinamente brasileiros. A prosa se encarregou de tudo. Ficou claro que ficção feita no Brasil não precisa ser uma forma de apresentar o Brasil. Os autores souberam usar a prosa em favor do conto e não para mostrar que, bem, esse é um conto de ficção fantástico feito no Brasil.
O Brasil estava sim presente nos cenários ou em pequenos detalhes dos contos (uma rua, uma cidade, um traço cultural), mas isso não se tornava mais importante do que a narrativa. Ponto positivo para os autores. Além disso, os contos mostraram para o que vieram. Cada uma à sua maneira mostrou a pitada certa de horror, fantasia e ficção científica, apensar de na maioria das vezes a veia do horror falar mais forte. O que de modo nenhum é ruim, pois eu adoro todos os três gêneros e tenho uma queda toda especial pelo horror.
Seria muito bacana falar sobre cada conto, mas aí perderia a graça para o futuro leitor (sim, eu realmente espero que tu leia o livro!). Vou apenas dizer que ler cada conto despertou emoções diversas e elas foram sempre bem intensas. E isso é mais uma prova da qualidade dos contos e, portanto, da coletânea. E um livro que tem monstros, zumbis, psicopatas, cães assassinos, cogumelos (!) assassinos, explosões de arroz, mutantes e outras criaturas horripilantes só pode ser bom!
Contos Gauchescos trata de diversos contos curtos protagonizados ou narrados pelo mesmo personagem, o Blau Nunes. Já em Lendas do Sul são narradas histórias baseadas em algumas das lendas folclóricas aqui do Rio Grande do Sul, a descrição delas e ainda um apanhado rápido de outras lendas pelo Brasil afora.
O bacana dessa obra, principalmente do primeiro livro, é o tom de conversa, de prosa mesmo, que o autor confere ao seu texto. Pois o narrador é um gaúcho do campo, ele é o contador de histórias, o velho proseador que abre o livro conversando com um personagem que não aparece e que pode muito bem ser você leitor. Todas as histórias apresentam o interior do Rio Grande, mesmo que Simões Lopes Neto nunca tenha andado pelos pagos que descreveu, ele morou em Porto Alegre e Pelotas e nunca visitou nenhuma outra cidade além destas (pelo menos é o que consta na minibiografia que antecede o livro). E as descrições são tão vivas e os personagens tão característicos (alguns deles), as histórias tão marcantes que é impossível não embarcar em uma viagem no tempo e sentir cavalgando pelas coxilhas do pampa gaúcho.
No entanto, essa mesma característica que engrandece tanto a leitura, é também prejudicial. O vocabulário é muito hermético e eu, nascida e criada no RS senti dificuldades com alguns vocábulos. Alguns em desuso, outros muito particulares de certas regiões do Estado e outros ainda particulares de situações e contextos que não fazem parte do meu dia a dia. Talvez por isso a leitura tenha demorado mais do que o esperado, pois o livro é bastante pequeno e esperava lê-lo em dois ou três dias no máximo. Além disso, alguns contos são bem massantes, o que não tira o mérito de passagens realmente genias como em Melancia - Coco Verde, Contrabandista e Jogo do Osso.
Em Lendas do Sul as histórias são basicamente um apanhado da tradição oral das histórias contadas por aqui: A mboitatá, A Salamanca do Jarau, O Negrinho do Pastoreio e argumentos sintéticos de outras lendas missioneiras e do centro-norte do Brasil. Em A Salamanca do Jarau (uma das minhas histórias favoritas do nosso folclore) o protagonista é mais uma vez Blau Nunes, que em uma de suas andanças topa com um vulto de face tristonha que o guia até o Cerro do Jarau para encontrar a Salamanca e enfrentar os desafios para merecer uma recompensa e ficar muito rico. Dessa forma ele sintetiza as origens da lenda e aplica a crença popular em algo que aconteceu ao personagem.
De toda forma, esse é um livro muito interessante para quem quer aprender e se aproximar mais da cultura gaúcha e por ser um livro de 1912 (Contos) e 1913 (Lendas) ele está ainda bastante próximo temporalmente dos fatos narrados (mais do que nós, certamente) e dentro de uma tradição de resgate e preservação da cultura gaúcha. É importante salientar que ele não narra fatos históricos, mas todos os seus textos estão precisamente situados na linha temporal da história gaúcha.
Apesar de muito útil para introduzir o assunto, este livro não alcançou todas as minhas expectativas, pois não passa de um introdução. Para quem já tem algum conhecimento sobre o assunto acaba sendo repetitivo, no entanto reconheço o valor para aqueles que ainda não tiveram nenhum contato com o assunto.
Esse livro me pegou de jeito mesmo! Uma narrativa que me fisgou logo nas primeiras páginas e de um dinamismo, um detalhismo e uma criatividade maravilhosos.
A Criança Roubada é um conto de fadas, mas ele é diferente de todos os contos de fadas que eu já li (não que eu tenha lido muitos). Ele é quase um drama, uma história difícil e profunda.
Uma criança foge de casa por motivos bobos e se esconde na floresta, Henry Day. O que o pobre menino não sabia é que vinha sendo observado havia muito tempo por criaturas que pretendiam ocupar o seu lugar no mundo.
São fadas, mais do que isso (o próprio personagem explica, logo na primeira página do livro), são hobgoblins – ou changelings (do inglês “to change” = “trocar”) que um dia foram crianças e esperam para poder ocupar o lugar de outra criança quando chegar a vez. A troca acontece e a partir daí a narrativa segue em dois planos, a do menino sequestrado, transformado em fada e último da fila para ocupar novamente o lugar em alguma família, e a fada que se transformou no menino e tomou seu lugar.
O autor, em seu romance de estréia consegue chegar a uma narrativa instigante, riquíssima e profunda. Cada história, a do menino que virou fada e da fada que virou menino, percorrem caminhos que eu não poderia imaginar. Ambos enfrentam os problemas reservados à nova vida. Como ser uma fada? Como usar esses poderes novos? Como compreender esse novo mundo? E ainda por cima o desejo da memória.
Henry se esforça para não esquecer da vida anterior, do rosto da mãe, do pai, das irmãs. Inútil tentar. A cada dia que passa esses rostos, os nomes, o próprio nome não passa de um borrão (ele foi rebatizado como Aniday). Mas ele tenta, e tenta incansavelmente. E um dos pontos que mais me conquistou no história foi a fome pelos livros. As horas que ele passava no porão de uma biblioteca lendo ao lado de uma companheira de jornada que encontrou no grupo de fadas. E lendo de tudo. Começam lendo livros infantis e passam para os grandes clássicos da literatura. Um adulto preso em um corpo de criança por décadas, até escolher uma criança para se transformar. E seu único legado é um livro que escreve com tudo que foi possível lembrar, a partir de uma arqueologia primária, dos restos que ele produziu e deixou ao longo de sua vida.
A fada que virou menino tenta se adaptar ao mundo novo, longe da floresta, e assombrado pelos fantasmas da sua vida antes de também ter sido sequestrado e se transformado em fada. Ele quer descobrir quem era, tentando ser alguém que já não existe. Relembrando talentos da vida passada sem parecer suspeito. Sua vida correndo até chegar à idade adulta e partir em uma jornada de descobrimentos. Quem eu era? E o quase abandono do quem se transformou.
A narrativa aborda de forma brilhante os medos e angústias que a sociedade individualizante, que aliena o ser, gera nos sujeitos. Ao ler sobre essas duas vidas que se cruzaram por um breve momento e trocaram de lugar, no deparamos com desejos, medos, sentimentos, intrínsecos do humano. Existe uma identificação com a veracidade dos personagens, e ao mesmo tempo estamos em um mundo fantástico, delicado e avançando na complexidade da busca pelo passado, por uma história própria que delegue sentido para suas vidas. A narrativa explora a transição de ambos: da infância para a vida adulta, a busca por uma identidade própria, mesmo na situação de serem crianças roubadas.
Uma trama bem construída e consistente capaz de provocar emoções intensas. Durante vários trechos lágrimas brotaram e escorreram pelo meu rosto. Algumas citações foram marcadas para utilizar no futuro e outras passagens me trouxeram as sensações da infância. Enfim, um livro completo que eu recomendo de coração.