«um país informe.
Atravessei-o em combóios, bicicletas, carros. As pessoas vão. Têm todas o mesmo ar cansado de quem repete um caminho. As casas repelem-nas, as estradas repelem-nas, por isso o único lugar é esta viagem incessante. Há sempre gente a correr, como se tivesse um sítio que a esperasse, gente com o hábito de se lembrar, mas não com o sentimento da lembrança, gente que destrói o passado com uma persistência meticulosa: a casa onde nasceu porque a ela só a liga a pobreza, as paredes da cozinha, de um negro de fumo, ou as ruas dos bairros suburbanos onde à noite bandos de crianças partem os vidros das janelas, esvaziam os pneus dos carros, injectam-se nos vãos de escada ou nas pedreiras abandonadas, gente que não sabe que se pode recordar com alegria ou tristeza, cujo sentimento único é uma espécie de cansaço.»
«Donde se conclui que Rui Nunes renunciou à clausura significativa das narrativas e escolheu uma via claramente poética em que a palavra está entregue à sua errância.»
«Tudo isto está lá, impregna o livro, constitui a paisagem de violência sobre a qual se ergue o nosso mundo contemporâneo. Mas eu sou mais sensível aos aspectos menos referenciais e aos efeitos dessa paisagem em todos nós: o medo e a morte (…). E o medo é provavelmente a dimensão essencial, aquela que tudo domina e sufoca.»
«Um outro aspecto que ressalta da escrita de Rui Nunes é a capacidade de acender frases de uma beleza fulminante no corpo do texto.»
«Um livro extraordinário, portanto, de abertura ao real de uma forma densamente mediatizada, de grande inteligência e sensibilidade.
[Eduardo Prado Coelho, Público, 08/09/2006, sobre O Choro É Um Lugar Incerto]
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