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“É como se a vida dissesse o seguinte: e simplesmente não houvesse o seguinte.”
demorei a acostumar-me com este livro. a princípio não queria compreender, não me permiti súbdita ao mundo que é a mente de clarice lispector, mas talvez isso se deva ao facto de ela ter colocado em prática exatamente o tipo de livro que eu escreveria.
gosto de imaginar que clarice escreveu a totalidade desta obra num perfeito estado de limbo e crepúsculo, acompanhada de uma chávena de café que se recusa a arrefecer. é esta a persistente sensação de quem lê água viva. como se visse uma paisagem azul, infinita, como que aurora que acaba no mar, corrente que escorre como os pensamentos de lispector para o papel.
escrever algo tangível acerca de água viva seria uma traição, quase tanto como um absurdo. pretende ser saboreado, pensado, questionado, discordado e, sobretudo, sentido. penso compreender lispector, mas será que estou certa? não tenho a certeza. tenho mais a certeza de que não pretendia ser compreendida. mas também nasci incumbida do mundo, então sinto uma amarga compreensão.
e sinto uma amarga proximidade ao terminar esta obra. gostava de viver no cérebro que dá casa à brilhante mente de quem escreve esta obra. mas estou grata o suficiente de a poder ter lido (no idioma original, que honra!), e de ter tido acesso ao pensar tão puro, tão livre, tão presente de clarice lispector.
“Você há de me perguntar por que tomo conta do mundo. É que nasci incumbida.”