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De filmes e livros a propagandas de televisão, a todo momento somos instados a ser felizes. Pois, como diria o poeta, "é melhor ser alegre que ser triste". O desejo pela felicidade parece ser mesmo uma constante de nosso tempo. Clóvis de Barros Filho e Leandro Karnal passeiam pela história e pela filosofia para pontuar como cada época e sociedade estabelecem sua própria definição das circunstâncias para o que seja uma vida feliz. E questionam se, sendo livres para escolher entre tantas possibilidades, estamos de fato mais próximos desse ideal. O livro é certamente um encontro feliz entre os dois autores, que não deixam de tocar em aspectos mais desafortunados do tema, presentes quase como uma sombra indissociável de nossa condição humana. Afinal, poderia a felicidade denunciar certo contentamento com o infortúnio alheio? Ou estaria ela no amor pelo outro? Sem a felicidade, o que nos resta?
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É uma transcrição de uma plenária entre os dois, com vários insumos interessantes e conhecidos de outros discursos dos dois.
Dirão que a felicidade tem mais relação com a liberdade, com a autonomia do que com a escravidão, com a heteronimia. No entanto, essa constatação que azemos intuitivamente pode merecer de nós uma avaliação mais acurada. Porque de fato, diferentemente do resto da natureza, onde não há salmões depressivos, como explicou Leandro, nem tudo precisa ser necessariamente do jeito que é. Um exemplo é a pera, que não tem a possibilidade de apodrecer na pereira, mesmo que não queira se sujar no terreno ao cair. A pera cai quando tem que cair e pronto. Na natureza tudo parece ser regido pelo princípio da necessidade porque necessariamente as coisas são como são. E nós supomos, presumimos, acreditamos, que a cada passo temos 360 graus de alternativas de percursos. Diferentemente d opera, podemos decidir apodrecer na pereira. E claro que se impõe a nós como mais do que uma cereja no lobo. Veja que simpático. além de tudo, somos livres. A vida precisa de nossas escolhas. A liberdade não é propriamente um direito que usamos como quem usa um chapéu Panamá quando quer; a liberdade é uma sina. Somos condenados às nossas escolhas, condenados à ser livres. E então tudo começa a ficar menos simpático. Pois querendo ou não teremos que dar uma solução para a nossa existência.
Miguel de Unamuno no Sentimento trágico da vida diz que não tem certeza que um caranguejo não seria capaz de resolver uma equação de segundo grau mais rápido que ele. A verdade é que acreditamos que liberdade, discernimento e consciência de si é coisa nossa, e paremos por aí para não enlouquecer de vez. (...) O aumento de lucidez torna as escolhas progressivamente complexas, menos óbvias; há sofrimento no momento da escolha.O sentimento próprio daquele que percebe que a vida depende da sua escolha e liberdade e não sabe, não tem certeza, do melhor caminho, e fica com medo de se arrepender. E o que é mais incrível: feita a escolha, esse sentimento não desaparece. Porque curiosamente, nunca sentimos as tristezas das vidas que preterimos. Sentimos só as tristezas da vida que escolhemos viver, o que nos dá a impressão de que, se tivéssemos escolhido diferentemente, aquelas tristezas não teriam sido vividas.
Toda escolha implica perda, e esta é maior do que a opção. Porque ao optar por alguma coisa, deixamos de lado milhares de outras. Cada escolha é única e o que deixamos de lado é muito maior.
Alguém me disse certa vez que Freud dedicou os anos finais da sua vida a pensar por que as pessoas buscavam tão enfaticamente a infelicidade e quando a encontravam, se surpreendiam como se fosse uma Palas Athena surgida da cabeça de Zeus. Ou seja, por que as pessoas não juntam a ação com a reação, o desejo com o resultado? Essa é uma pergunta que, no fundo, tem relação com o liberalismo. Por que, por exemplo, as pessoas fazem escolhas - financeiras, pessoais, sexuais, de saúde - erradas? Como se explica essa irracionalidade que acompanha o desejo em relação à sua consecução?
É verdade que, na sociedade do antigo regime francês, buscar a felicidade no casamento seria considerado até de mau gosto. Pois o casamento era, como em Roma ou na corte de Versalhes, um acordo para garantir herdeiros legítimos. Felicidade se obtinha com amantes. A ideia tão exótica de que devemos ser felizes com quem nos casamos remete ao século XIX, com a emersão do Romantismo e da burguesia.