Metamorfose?

Como sempre, vou manter os spoilers longe do meu texto, mas acho que algumas considerações devem ser feitas. A primeira é sobre a consistência do mundo que Gail Carriger criou, todos os elementos fazem sentido no contexto da história. O leitor consegue acreditar em tudo o que é descrito na trama, consegue se apegar aos personagens e ficar ansioso para saber em qual enrascada a personagem principal acabará envolvida – e quais serão as implicações.
Encontramos Alexia e sua companhia limitada alguns meses depois de seu casamento com Maccon. Nossa querida Lady está lidando bem com seu papel de esposa e sua posição política com a Rainha Vitória. Mas é claro que não podemos esperar calmarias na vida da preternatural e logo vemos que seu jardim está repleto de soldados e ainda há muito mais pela frente, incluindo um marido desaparecido. Isso nos leva a uma viagem realmente interessante e com vários aspectos de steampunk em foco – elementos que eu nunca me aprofundei muito, mas consigo entender o apelo e ver o quão bem funcionam não só nos detalhes da narrativa.
Carriger passa de forma brilhante pela comédia de costumes, ainda que mais dosada neste volume – algumas vezes, seu tom me remeteu ao tom de narrativa que encontramos em autoras como Jane Austen, o que é muito encantador. Alguns personagens, como Ivy e Felicity, a meia-irmã da nossa protagonista, beiram o exagero em certas ocasiões, sendo cansativas e irritantes (Felicity, em especial, não possui o mesmo brilho e balanço da fala mordaz de sua irmã, o que me fez imaginar para quê exatamente ela estava lá, mas esperemos o próximo volume).
Ainda que seja uma tradução, a prosa de Carriger é um ponto que deve ser mencionado. O ritmo com que sua história é conduzida é constante e obviamente construído de forma a fazer o leitor se envolver na trama e gostar – e olha que steampunk nem é o meu gênero literário preferido. A atmosfera criada em conjunto com os diálogos nos mantêm engajados em todo o tempo – isso se deve não só, mas também pela escolha de certas palavras (e aqui vemos que o trabalho de tradução foi incrível) que fazem com que as cenas sejam inteligentes e calorosas (e agradáveis) e que não se limitam a serem capazes de nos fazer sorrir (e rir).
A construção dos personagens também é um ponto a se levar em consideração: os personagens principais nos foram apresentados no volume anterior, mas seu desenvolvimento é contínuo. Alexa é uma daquelas personagens que dá brilho nos olhos do leitor, inteligente, sagaz, segura de si e com uma língua mordaz e aguda (maravilhosa de se acompanhar) capaz de acabar com o ego alheio em dois minutos. Ela obviamente pode ser um exemplo e tanto para leitoras mais novas, mostrando que ser mulher (ainda mais na época em que está contextualizada) não significa ser incapaz, muito pelo contrário.
Como você deve ter percebido, estou me abstendo de falar sobre a história, mas antes de finalizar esta resenha não posso deixar de mencionar que sua reviravolta me pegou de completamente de surpresa, com a guarda baixa. Carriger encaminha a história sem que percebamos o que nos espera e quando dá sua cartada... nos deixa simplesmente sem saber como lidar com o que nos é jogado no colo. Ainda não sei como lidar. Que narrativa, gente, que narrativa!
Resenha postada no blog Doki Doki

October 10, 2018Report this review