Decepcionante.
A deterioração da saúde mental da narradora-protagonista é a única coisa realmente interessante. É esse retrato honesto da piora da condição psicológica, da culpa, do ódio a si mesma e aos outros, que triunfa. Se você se interessa nesses elementos, nessa capacidade de identificação específica com o sentir da protagonista, você vence a narrativa.
Se você tenta ir além disso, surge um retrato de capacidade reflexiva limitada sobre a condição mental da narradora. O livro trata muito de seu sentir imediato e de lembranças fruto do instante, o que tem seus prós e contras, mas, pra mim, não trouxe nada de especial. Isso casa com o problema de que nada nesse livro justifica o quão insuportável é a narradora. Foi duríssimo passar por todo o incômodo das reclamações constantes, especialmente na primeira parte. O resultado é uma narrativa que parece resistir a si mesma e deixa o leitor sem vontade alguma de querer saber algo sobre a protagonista, tornando-o muito menos instigante e provocativo do que poderia ser. Quando o livro realmente melhora, na metade, e mergulha na depressão, eu já não tinha mais vontade de saber o que aconteceria.
O pecado original é que, sabendo se tratar de um livro que se mistura com a vida da autora, esse retrato psicológico ganha um ar autoindulgente. Começa a emergir à reflexão uma obra escrita no susto, no espírito do sentimento, faltando certa consciência que a engrandeceria, restando somente um retrato fidedigno do sentimento da depressão. Nisso reside a única importância dessa obra. O pior é que todos os elementos para começar a pensar com mais gosto e envolvimento estão lá, mas sem fazer questão de despertar interesse. A linguagem tem seus momentos, mas, no geral, não é inspirada o suficiente para intrigar.
Eu entendo quem gostou. Not my cup of tea.
Coisas que eu perdoo:
- críticas à URSS/socialismo/Stalinismo
- autores com opiniões divergentes
Coisas que eu não perdoo:
- simplismo grotesco e estereotipado pintado como sátira/alegoria relevante
- má literatura
Ufa!
Terminada minha segunda leitura de Ulysses, decidi escrever algumas considerações acerca dessa obra que, pra mim, devido à sua influência sobre minha maneira de encarar a literatura, possui um valor praticamente inestimável.
Por que ler Ulysses?
(1) Ulysses é considerado uma obra-prima que revolucionou a literatura moderna. É o romance dos romances do século XX e sem a menor dúvida um dos livros mais importantes da história. É possível dizer que Ulysses influenciou quase toda literatura que veio depois dele: de Mário de Andrade à T.S. Eliot; de Gabriel García Márquez a Carlo Emilio Gadda; de Anthony Burgess a Philip K. Dick.
(2) Ulysses, como a própria vida, é uma fonte inesgotável de interpretações que tende ao infinito por sua multiplicidade temática complexidade narrativa. O que Joyce consegue fazer é tornar o aglomerado complexo da existência moderna inteligível através da escrita sem reduzi-lo à categorias e tipos. Nesse sentido, o trabalho de Joyce diferente dramaticamente do trabalho do cientista. Joyce encontra sua eficácia e vitalidade não em sua capacidade explicativa ou em uma parcimônia implacável; mas em absorver todas as eminências da experiência humana e ordená-las através de uma organização que não define nem o livro em si nem o seu significado. É claro que os arranjos basilares estão nos conhecidos esquemas feitos para Stuart Gilbert e Carlo Linati, mas a maravilha de Ulysses está no que sobra quando derrubadas essas estruturas: uma narrativa engenhosamente cômica; um eruditismo gracioso; os múltiplos estilos (técnicas) que se formam e se dissolvem no fim de cada capítulo; as ilimitadas questões estabelecidas em um limitado espaço temporal e geográfico; a miríade de tudo que somos como humanos, refletidas em um único dia na existência quase banal de nosso protagonista. Nesse sentido, Ulysses é um livro indefinível por natureza.
(3) Joyce usa metáforas, símbolos, ambiguidades e conhecimentos diversos que se ligam gradualmente entre si para formar uma rede de conexões ligando toda a obra. Isso torna a leitura uma aventura atrás de significados e referências e uma jornada que exige um olhar atento a “leitmotifs” e detalhes que apenas tem a agregar ao conjunto total da obra. Todos os quebra-cabeças e enigmas dão ao leitor motivos para reler o livro e descobrir segredos que, talvez, nenhum outro leitor tenha descoberto - além, é claro, de abrir espaço para infinitas discussões acerca dos significados e mais significados subjacentes ao livro.
(4) A consequência disso é que Ulysses não é só grandioso como obra em si, mas também como objeto de numerosos debates ao longo da história. É quase como se os fanfiqueiros mais bem dispostos tivessem cruzado com os mais graúdos acadêmicos para formar uma espécie de liga de debates. Há interpretações de toda sorte e cada uma delas tem algo interessante a dizer sobre Ulysses.
(5) Ulysses também nos impõe como pouquíssimos livros a discussão acerca dos impactos que o estilo/técnica pode ter sobre as múltiplas dimensões de uma obra literária; ou, de maneira mais ampla, da relação entre forma e conteúdo.
(6) Apesar de agridoce, é um livro otimista e frequentemente hilário.
Como ler Ulysses?
Não poderia deixar de endereçar o elefante no meio da sala: a dificuldade da obra. Não é um livro para leitores de primeira viagem e não é um livro que eu consideraria fácil. Ulysses exige resistência, atenção, pesquisa e uma capacidade interpretativa que vai exigir, por vezes, horrores de sua imaginação. Por isso resolvi apresentar aqui certas dicas para encarar a obra:
- Não comece pelo original. Recomendo fortemente a tradução do Caetano W. Galindo.
- Ulysses, apesar de sua estatura monumental, é um livro espirituoso, então tente não levar ele tão à sério.
- Você pode encarar a obra sem nenhuma leitura prévia, mas recomendo fortemente ler a Odisseia e Hamlet. É praticamente um pré-requisito para sacar os aspectos mais gerais da obra.
- Consulte os esquemas que o James Joyce fez pra ajudar o Stuart Gilbert e o Carlo Linati - mas não fiquem tão apegados a eles. São como andaimes na construção do grande edifício que é Ulysses.
- Tenha em mente que Ulysses é um livro irlandês, e, em certa medida, um livro feito para os irlandeses. Então ou você morre e reencarna irlandês, ou aceita que nunca vai pegar todas as referências.
- A intertextualidade do livro exige alguns conhecimentos cuja procura, por vezes, extremamente maçante; além do fato de que Ulysses é, por vezes, um livro fácil de nos engolir com seus detalhes. Para evitar qualquer desespero e entender melhor a obra, procure as anotações disponíveis em The Joyce Project, Sparknotes, UlyssesGuide.com, CliffsNotes e Shmoop; embora esses sejam os mais acessíveis, existe uma infinidade de sites e livros com ótimos comentários acerca de Ulysses. As introduções escritas por Cedric Watts e Declan Kibert são bastante úteis!
- Se quiser compreender bem o livro, leia o capítulo sublinhando as palavras desconhecidas; depois, anote o significado delas; por fim, leia o capítulo novamente.
- Se quiser uma compreensão ainda melhor, leia o texto original. Muitos dos capítulos oferecem trocadilhos, piadas e uma musicalidade intraduzível. Alerto que é uma leitura muito difícil, então recomendo ler o original em uma segunda visita ao livro.
Espero que essas dicas sejam úteis!
Conclusão? A vida é curta demais pra não (re)ler Ulysses.
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