Decepcionante.
A deterioração da saúde mental da narradora-protagonista é a única coisa realmente interessante. É esse retrato honesto da piora da condição psicológica, da culpa, do ódio a si mesma e aos outros, que triunfa. Se você se interessa nesses elementos, nessa capacidade de identificação específica com o sentir da protagonista, você vence a narrativa.
Se você tenta ir além disso, surge um retrato de capacidade reflexiva limitada sobre a condição mental da narradora. O livro trata muito de seu sentir imediato e de lembranças fruto do instante, o que tem seus prós e contras, mas, pra mim, não trouxe nada de especial. Isso casa com o problema de que nada nesse livro justifica o quão insuportável é a narradora. Foi duríssimo passar por todo o incômodo das reclamações constantes, especialmente na primeira parte. O resultado é uma narrativa que parece resistir a si mesma e deixa o leitor sem vontade alguma de querer saber algo sobre a protagonista, tornando-o muito menos instigante e provocativo do que poderia ser. Quando o livro realmente melhora, na metade, e mergulha na depressão, eu já não tinha mais vontade de saber o que aconteceria.
O pecado original é que, sabendo se tratar de um livro que se mistura com a vida da autora, esse retrato psicológico ganha um ar autoindulgente. Começa a emergir à reflexão uma obra escrita no susto, no espírito do sentimento, faltando certa consciência que a engrandeceria, restando somente um retrato fidedigno do sentimento da depressão. Nisso reside a única importância dessa obra. O pior é que todos os elementos para começar a pensar com mais gosto e envolvimento estão lá, mas sem fazer questão de despertar interesse. A linguagem tem seus momentos, mas, no geral, não é inspirada o suficiente para intrigar.
Eu entendo quem gostou. Not my cup of tea.
Esbarrei com ele algumas vezes ao longo dos anos, em diversos textos, mas só consegui ler agora. Por mais fundamental que seja na história da filosofia ocidental, é um livro que só vale a pena ler se você sabe onde quer chegar com ele. Mesmo assim, não recomendo que quem esteja estudando epistemologia procrastine muito a leitura.
A edição da Unesp é excelente.
Eu não sei se gostei de como foi escrito, de modo tão hermético, quadrado, direto. Talvez seja para que se preste atenção na narrativa; talvez seja para dar conta do pensamento do narrador, dizendo, em parte, o que ele mesmo representa através de sua linguagem. De todo modo, uma história pode ser interessante sem que a escrita seja. Há eu emoções que não precisam se esconder em estilo.
Acho que cai em vários clichês, alguns deles pelos próprios temas que aborda. Faz o que pode para ultrapassar eles, o que rende algumas das melhores partes, mas torci o nariz para muita coisa. O esforço de não reduzir um personagem negro a “o que há de negro dele”, mas incorporar ao drama, é a principal virtude do que há de melhor aqui. Dá universalidade. Quebra o arquétipo do sofredor-que-sofre-em-história-sofrida, que reduz o personagem ao seu sofrimento e, na minha opinião, desumaniza ele. Traz pro coração.
Uma amiga comentou, e dou razão a ela, que é um livro muito enviesado com a perspectiva masculina que idealiza o pai e coloca a mãe como louca na relação, um pouco demonizando. Eu acho que isso conversa com os muitos clichês e traços arquetípicos que acabam atravessando a narrativa.
Quando ele enriquece de detalhes as experiências, mesmo que imaginadas, tentando buscar a resposta ao seus pais como pessoas e pais, é que realmente vem à tona um desejo íntimo de compreensão e a obra é capaz de criar um drama sólido.
Lendo as reviews, realmente sinto que as pessoas perderam a capacidade de lidar com o contraditório. Acho que por isso esse livro é tão provocativo e polêmico e, ao mesmo tempo, tão relevante.
É tempo em que o desejo pelo puro, pelo casto, pelo intocado, é glorificado; e a humanidade, em tudo de ruim e melancólico que lhe corresponde, é jogada às traças. É preciso ser perfeito. E o sentir real, frequentemente contraditório, por não ser perfeito, sob esses moldes muito óbvios e reiterados de certo e errado, não merece comiseração.
Para certa gente, expor e se compadecer é endossar. Quando não há pureza, expia como se culpa fosse; ou justifica, se lhe convém. O resultado é que, quando não soam anacrônicos, soam moralistas; quando não soam moralistas, soam hipócritas. Em alguns casos, soam tudo isso ao mesmo tempo.
São quase tão católicos em sua culpa e julgamento quanto qualquer beata que passeia por aí.
Tudo é Rio, com sua capacidade de não ser o esperado, mexe com essa moralidade muito flácida de quem pensa que nunca errou ou pensa tanto de si e de sua visão de mundo que esquece do outro.
Mesmo o aspecto mais negativo, a tendência ao naturalismo, que flerta com certa visão arquetípica dos personagens, é consistentemente interrogado. O sentimento, que é o que move realmente a trama, desfaz ou pelo menos questiona esses arquétipos; e as incursões por traz da vida de cada um também rompem as aparências. Por isso, dificilmente poderia ser acusado de ser um livro simplista na forma de lidar com os personagens. É uma obra muito capaz de compreender cada um deles e transmitir as suas mudanças, por mais que essas mudanças não sejam o que a gente quer ou espera.
De fato, como o foco não está na sociedade e nas condições de vida (pra isso, vá ler Jorge Amado), mas sim nos sentimentos e nas formações psicológicas que lhes correspondem, uma abordagem dos personagens desse tipo é muito mais eficaz do que os rodeios de trama. Aliás, nessa interrogação do arquétipo ou o seu uso inteligente é que mora o charme de um García Lorca. É também fruto dessa tradição o plot twist melodramático e as incursões do narrador.
É livro pra reler, eventualmente. Por enquanto, é isso. Joguem pedras!
Bem que poderia se chamar “livro das reclamações”.
Bernardo Soares é eloquente demais para que eu me afilie com simpatia a sua visão melancólica e tediosa das coisas. Há certo senso de autoimportância na linguagem que, embora bem sirva para o personagem Bernardo Soares como artista - isolado do mundo e das coisas, dedicado a seu ofício de sonhador -, pesa muito no sentido de desprezar o que ele toma como lucidez e classificá-la apenas como mais uma interpretação arrogante do mundo. Sendo franco, é como se ele quisesse nos provar constantemente que sua posição no mundo e visão da realidade, precisamente por ser desimportante, é a mais importante porque baliza a sua elevação artística. Típico caso de soberba disfarçada de autodepreciação.
O fato de que o livro é elaborado em fragmentos dispersos faz com que logo a leitura perca o impulso. Logo Livro do Desassossego se torna repetitivo e cansativo. Os trechos potencialmente interessantes se perdem em meio ao mar de repetições de melancolias em suas mais variadas formas. Como a linguagem não se modifica e tampouco o personagem parece evoluir em suas reflexões, a leitura se torna penosa.
O livro tem trechos excelentes e é bem escrito, mas não consegui apreciar tanto quanto gostaria. Amo Fernando Pessoa, mas não rolou dessa vez.
Embora hesite em me afiliar totalmente a alguns conceitos do livro, muitos dos quais não são definidos com precisão (ex atraso, civilização, etnia, matriz formativa, gênero humano, dentre outros), O Povo Brasileiro é escrito com o coração de quem ama o Brasil e com a desenvoltura de quem compreende bem os traumas e singularidades de nossa formação.
Há um esforço claro de forjar na alma do livro certa consciência e sentido, uma espécie de consenso relativo ou trabalho de síntese sobre quem somos. Acredito que por isso talvez O Povo Brasileiro seja uma salada tão grande entre tantas teses diferentes sobre nossa formação (embora não contraditórias, pelo menos nessa primeira lida). Nessas horas compreendo o porquê de Darcy ter sido criticado, por um lado, por ser marxista demais; e por outro, por ser marxista de menos. Não nego também que minha relativa dificuldade em assimilar alguns conceitos e teses se explica pela carência de contato com a antropologia como área de estudos, o que não me permitiu apreender com confiança algumas ideias expostas pelo Darcy.
Considero O Povo Brasileiro um esforço válido e bastante fecundo, sobretudo para os que estão tentando compreender “de primeira viagem” o que é o Brasil e o povo brasileiro. Por isso, indico totalmente como um texto introdutório. Darcy não deixa de dialogar com os nossos clássicos e por isso se insere na tradição sociológica brasileira sem rejeitá-la por inteiro, diferente do que tem feito alguns sociólogos contemporâneos com mania de grandeza. Acredito que O Povo Brasileiro se insere também, contextualmente, em uma série de escritos que depositam muita esperança na redemocratização, que ainda não tinha dito pra que vinha e que necessitava de braços para a sua futura construção. O Povo Brasileiro é, de certa forma, um “olhar pra trás pra prefigurar o Brasil que há de ser”.
A quarta parte do livro (Os Brasis na História) foi sem dúvidas a parte que mais contribuiu com elementos novos pra >minha< interpretação de Brasil, pelo menos em comparação com a primeira e segunda partes (O Novo Mundo, Gestação Étnica e Processo Sociocultural). É possível argumentar mesmo que existem trabalhos mais completos discutindo a formação do Brasil como simultaneamente uma colônia voltada para fora, a brutalização do negro na sociedade de classes e a síntese do elemento nativo indígena com o invasor português (questões abordadas na primeira e segunda partes do livro). O que importa em Darcy, contudo, é mais uma exposição sintética dotada de sentido e significado para que ela possa dialogar de forma mais maleável com os muitos “Brasis” de hoje do que um longo trabalho de fôlego sobre o Brasil colonial. Aliás, mesmo não sendo uma exposição detalhada ou particularmente inovadora, essas partes ainda tem muito a dizer e apresentam elementos importantes pra pensar o Brasil. Nada a reclamar!
Ainda preciso quebrar a cabeça sobre certos pontos do livro (alô estrutura de classes esquisita). Certamente vou revisitar no futuro e talvez complemente com outras obras desse grande brasileiro que foi Darcy Ribeiro. Recomendo!
[Just trying to mantain my habit to write in English around here. This review is more a writing exercise for my own sake than anything else. Here I go!]
A Portrait of the Artist as a Young Man, despite being among the first modernist works, is certainly a paragon of the literature of its era.
We can see here not only some of the themes presented in the early Joyce works, namely Dubliners, but also what would become the main traits of the Joycean prose, later developed in Ulysses and transcended by Finnegans Wake. From that point of view, it seems to me that A Portrait of the Artist as a Yong Man is itself a formative work in which Joyce, in pair with his literary counterpart, is also trying to find his own voice. This is more evident when we take a look at the style that characterizes the work. On the one hand, Joyce uses a lot of free indirect speech and, in that sense, the style differs partially from the stream of conscioussness expressed through interior monologues of Ulysses and the excentric prose of Finnegans Wake, that I'm still gathering the courage to conquer; on the other hand, the free indirect speech written by Joyce, so usual in the work of others, distnguishes itself by its complexity, reflecting directly the developement of the character and prefiguring somethat the hidden figure of an “arranger”.
Despite of embrionary in comparisson, the prose in A Portrait still has the very interesting dialogue between form and content that would characterize Joyce's later work. Joyce is, as always, so meticulous in the construction of its prose that the narrative shines in whatever way that he decides to develope it. Even the “less intricate prose”, written in favour of the affirmation of its content, is not even close of something meaningless in his hands - in other words, it remains both aesthetically pleasing and thematically significant.
I hate to admit it, but I felt a very personnal connection with A Portrait of the Artist as a Young Man - a book that is almost as perverse in its awareness of the protagonist's faults as it is reluctant to explicitly judge him. I couldn't help but feel Joyce mocking my professional/intellectual ambitions and pretentiousness thoughout the book and I sincerly loved and hated to see some of my contradictions so explicitly exposed.
Unfortunately, I couldn't compare it with its contemporaries (1910-1920) because... well, I haven't read them yet. I will almost certainly revisit A Portrait of the Artist as a Young Man in the future to try to grasp what I wasn't able to in my first reading. Absolutely amazing!
(trying to write something in English to practice my writing skills, a bit rusty these days)
I understand why some people may not have the stomach for such reading.
La Casa Verde is a challenging book, not only due to the intricate prose (Faulknerian?) and the self-referential form of the narrative, requiring our diligent attention - but specially due to the violent, explicit and brutal content of the story. La Casa Verde is a book that tries to capture the brutality and melancholy of the dynamics of northern Peru in the first half of the century, and the form of the prose forces us to see the almost omnipresent and, somewhat, ominipotent presence of this brutality. There's something ineluctable in it, something utterly sad and unacceptable, but ultimately unescapable. There's almost no hope for no one - only lapses of empathy and tenderness that appear and disappear from time to time.
[SPOILER]
In the end, when Llosa presents us with La Casa Verde as a symbol of the rainforest - the brutal, the savage rainforest - the story ties up its final loose end. In the end, everything has changed, but no one can escape the past, the structural and mythical pressures of a place (in time and space) of such practical and symbolical force. And the book hits you hard, harder that ever before. With, once again, lapses of empathy: glimpses of hope. Yet, life must go on.
As the article “Tradução e Memória” (Translation and Memory) by Luiz Claudio Vieira de Oliveira states:
“[...] In La Casa Verde there is no such heroic, epic character. Instead, there is individualism; egotism, submission to imposed values, acceptance of fatality, amoralism: nothing heroic, in a way already ideologically predicted. There are not even heroes in La Casa Verde: There are anti-heroes.
So the reader is not relieved or gratified to see the hero accomplish what he, the reader, cannot or is not able do. The text does not solve the problem it poses, but, on the contrary, complicates it further. There is a social issue that remains unsolvable, tangled, labyrinthine: both in the jungle, in the desert and in Mangachería.” (https://periodicos.ufmg.br/index.php/cltl/article/view/8036/5563)
(Just my interpretation and a very limited one, I must say. As a Brazilian that really doesn't know that much about the Peruvian history, unfortunately I can't offer a better perspective.)
Esse livro é composto de:
- 80% de arroz com feijão de história do Brasil
- 10% de Sérgio Fausto fazendo um apanhado razoável de história contemporânea brasileira
- 10% de Sérgio Fausto puxando a sardinha da história pro lado dos tucanos
Ótimo pra começar, justo pra referenciar, inadequado pra aprofundar.
Falar que Agosto é somente um romance noir brasileiro que se desenrola durante o conturbado mês de agosto de 1954 no Rio de Janeiro pode ser um tanto reducionista - mas se isso não for o suficiente pra te deixar empolgado, então realmente talvez Agosto não seja o livro pra ti.
De qualquer maneira, Agosto é uma excelente trama policial repleta de intrigas e uma crueza que arde mais do que a úlcera do comissário Mattos. Aliás, nada me tira da cabeça que o comissário Mattos é o Jake Gittes (ou o Humphrey Bogart) brazuca e o Rio de Janeiro da época equivale a uma Los Angeles dos anos 30 ou 40.
Agosto é rápido de ler, envolvente e coeso. Não achei o melhor livro do mundo, mas a verdade é que não tenho muitos motivos pra dar menos do que um 4,5. Pois aqui ficamos!
A Tolice da Inteligência Brasileira me fez passar raiva por três grandes motivos:
(i) O desrespeito
Convém cobrar o mínimo de respeito ao outro quando se estabelece uma crítica cuja pretensão é o avanço do conhecimento. Não se trata de iconofilia ou algo gênero, mas de criar um diálogo cujo saldo seja positivo, sobretudo se o diálogo se dá entre pares cujo objetivo comum é compreender fenômenos complexos da realidade nacional por motivações presumivelmente honradas.
A questão se torna ainda mais problemática quando consideramos que o objetivo é, tudo indica, o exercício científico. Ora, existe coisa mais anti-científica do que atacar o portador da carta em vez de seu conteúdo? Existe coisa mais absolutamente grosseira do que descer os degraus do bom senso no debate até se rebaixar ao ataque puro e ao ad hominem?
Outrossim, se a ideia é ser dialético, Hegel notava que nenhuma filosofia que se afirmou como tal é completamente falsa - caso contrário não teria conquistado corações e mentes. O que importa saber é ‘como e porque ela se afirmou'.
Contrariando essas considerações, Jessé nega os teóricos que pretende criticar sem qualquer respeito e sem se perguntar quais foram as contribuições positivas de suas teses que as fizeram ser tão respeitadas e cultuadas por tantos e por tanto tempo. Parte desse comportamento pode ser explicado pelas...
(ii) Considerações anacrônicas e interpretações simplesmente erradas dos “clássicos” que pretende criticar
A superficialidade das interpretações é tamanha que soa como se Jessé tivesse lido apenas uma resenha de um graduando no Passei Direto pra cada autor que cita (e aquelas resenhas ruins, feitas no dia anterior à entrega do trabalho ao professor). Exemplos?
A interpretação que Jessé apresenta do “homem cordial”/patrimonialismo ignora completamente o fato de que o tipo estabelecido por Sérgio Buarque está contido em um capítulo cujo miolo aborda a centralidade das relações familiares no contexto de um Brasil cuja formação foi fundamentalmente ditada pela vida no campo (um Brasil agrário). Daí a cordialidade, a familiaridade, a aversão ao formalismo e a consequente contradição com a impessoalidade da burocracia Estatal.
Ignorando isso, Jessé logo afirma que deriva das interpretações da obra do Sérgio Buarque a ideia de que o Estado é inerentemente corrupto e dominado pelo homem cordial e particularista (em contraposição ao virtuosismo do mercado). Ora, o problema é que a questão jamais se coloca dessa maneira em Sérgio Buarque: são as relações familiares, nascidas no campo, os interesses particulares, que permeiam as instituições, nunca o contrário. Nas palavras do Sérgio:
Não era fácil aos detentores das posições públicas de responsabilidade, formados por tal ambiente [o Brasil agrário], compreender a distinção fundamental entre os domínios do privado e do público. Assim, eles se caracterizam justamente pelo que separa o funcionário “patrimonial” do puro burocrata conforme a definição de Max Weber. Para o funcionário “patrimonial”, a própria gestão política apresenta-se como assunto de seu interesse particular; as funções, os empregos e os benefícios que deles aufere relacionam-se a direitos pessoais do funcionário e não a interesses objetivos, como sucede no verdadeiro Estado burocrático. [...] A escolha dos homens que irão exercer funções públicas faz-se de acordo com a confiança pessoal que mereçam os candidatos, e muito menos de acordo com as suas capacidades próprias. No Brasil, pode-se dizer que só excepcionalmente tivemos um sistema administrativo e um corpo de funcionários puramente dedicados a interesses objetivos e fundados nesses interesses. É possível acompanhar [...] o predomínio constante das vontades particulares [...]
Dentre os “seguidores” de Buarque que aparentemente teriam se apropriado dessa interpretação, é de Raymundo Faoro que Jessé tenta se ocupar no capítulo seguinte, novamente apresentando a tese de maneira distorcida. Deixo os outros explicarem por mim: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Raymundo-Faoro-versus-Operacao-Lava-Jato/4/41637
Ah, devo dizer que é brutalmente pedestre (pra não dizer burro) achar que o marxismo é economicista pela natureza do método.
(iii) A grande antítese (atrasada)
Não foi o paternalismo que definiu o Brasil, mas sim o escravismo!
Ora, Florestan já disse isso há décadas, mas percebeu que não é só isso: o Brasil é as duas coisas. Agora vem Jessé com lábias de quem inventou a roda, reconhecendo aos trancos a contribuição de Florestan? Não na minha gestão!
Ademais, como disse um professor: “Jessé Confunde patrimonialismo com Capitalismo Monopolista do Estado [ou intervenção do Estado na economia]. O fato do Estado ser central na Brasil, na Alemanha e nos EUA contemporâneos, nem faz estes Estados serem rigorosamente iguais, nem - muito menos - torna-os equivalentes ao Estado de Portugal do século XVI ou da China do século XIX.”
O pior é que, ao meu ver, fica impossível compreender o Golpe de 2016 sem considerar o papel do patrimonialismo e dos entraves ao aprofundamento da revolução burguesa no Brasil. [chama no privado se quiser uma discussão mais aprofundada a respeito]
Considerações Finais
Confesso que a Parte III parece articular concepções relativamente novas pra tentar compreender o Brasil. Vou reler assim que for possível pra ver se convém absorver uma ou outra consideração. Para além disso, A Tolice da Inteligência Brasileira é um livro desrespeitoso que apresenta uma visão distorcida das teses às quais procura se opôr.
Gosto de pensar que Jessé, de fato, não compreendeu o que discute e seu coração está no lugar certo. Precisamos sim de pessoas discutindo o que é o Brasil e propondo novas interpretações. Pretendo ler A Elite do Atraso assim que possível. Infelizmente, termino A Tolice da Inteligência Brasileira profundamente decepcionado.
Ufa!
Terminada minha segunda leitura de Ulysses, decidi escrever algumas considerações acerca dessa obra que, pra mim, devido à sua influência sobre minha maneira de encarar a literatura, possui um valor praticamente inestimável.
Por que ler Ulysses?
(1) Ulysses é considerado uma obra-prima que revolucionou a literatura moderna. É o romance dos romances do século XX e sem a menor dúvida um dos livros mais importantes da história. É possível dizer que Ulysses influenciou quase toda literatura que veio depois dele: de Mário de Andrade à T.S. Eliot; de Gabriel García Márquez a Carlo Emilio Gadda; de Anthony Burgess a Philip K. Dick.
(2) Ulysses, como a própria vida, é uma fonte inesgotável de interpretações que tende ao infinito por sua multiplicidade temática complexidade narrativa. O que Joyce consegue fazer é tornar o aglomerado complexo da existência moderna inteligível através da escrita sem reduzi-lo à categorias e tipos. Nesse sentido, o trabalho de Joyce diferente dramaticamente do trabalho do cientista. Joyce encontra sua eficácia e vitalidade não em sua capacidade explicativa ou em uma parcimônia implacável; mas em absorver todas as eminências da experiência humana e ordená-las através de uma organização que não define nem o livro em si nem o seu significado. É claro que os arranjos basilares estão nos conhecidos esquemas feitos para Stuart Gilbert e Carlo Linati, mas a maravilha de Ulysses está no que sobra quando derrubadas essas estruturas: uma narrativa engenhosamente cômica; um eruditismo gracioso; os múltiplos estilos (técnicas) que se formam e se dissolvem no fim de cada capítulo; as ilimitadas questões estabelecidas em um limitado espaço temporal e geográfico; a miríade de tudo que somos como humanos, refletidas em um único dia na existência quase banal de nosso protagonista. Nesse sentido, Ulysses é um livro indefinível por natureza.
(3) Joyce usa metáforas, símbolos, ambiguidades e conhecimentos diversos que se ligam gradualmente entre si para formar uma rede de conexões ligando toda a obra. Isso torna a leitura uma aventura atrás de significados e referências e uma jornada que exige um olhar atento a “leitmotifs” e detalhes que apenas tem a agregar ao conjunto total da obra. Todos os quebra-cabeças e enigmas dão ao leitor motivos para reler o livro e descobrir segredos que, talvez, nenhum outro leitor tenha descoberto - além, é claro, de abrir espaço para infinitas discussões acerca dos significados e mais significados subjacentes ao livro.
(4) A consequência disso é que Ulysses não é só grandioso como obra em si, mas também como objeto de numerosos debates ao longo da história. É quase como se os fanfiqueiros mais bem dispostos tivessem cruzado com os mais graúdos acadêmicos para formar uma espécie de liga de debates. Há interpretações de toda sorte e cada uma delas tem algo interessante a dizer sobre Ulysses.
(5) Ulysses também nos impõe como pouquíssimos livros a discussão acerca dos impactos que o estilo/técnica pode ter sobre as múltiplas dimensões de uma obra literária; ou, de maneira mais ampla, da relação entre forma e conteúdo.
(6) Apesar de agridoce, é um livro otimista e frequentemente hilário.
Como ler Ulysses?
Não poderia deixar de endereçar o elefante no meio da sala: a dificuldade da obra. Não é um livro para leitores de primeira viagem e não é um livro que eu consideraria fácil. Ulysses exige resistência, atenção, pesquisa e uma capacidade interpretativa que vai exigir, por vezes, horrores de sua imaginação. Por isso resolvi apresentar aqui certas dicas para encarar a obra:
- Não comece pelo original. Recomendo fortemente a tradução do Caetano W. Galindo.
- Ulysses, apesar de sua estatura monumental, é um livro espirituoso, então tente não levar ele tão à sério.
- Você pode encarar a obra sem nenhuma leitura prévia, mas recomendo fortemente ler a Odisseia e Hamlet. É praticamente um pré-requisito para sacar os aspectos mais gerais da obra.
- Consulte os esquemas que o James Joyce fez pra ajudar o Stuart Gilbert e o Carlo Linati - mas não fiquem tão apegados a eles. São como andaimes na construção do grande edifício que é Ulysses.
- Tenha em mente que Ulysses é um livro irlandês, e, em certa medida, um livro feito para os irlandeses. Então ou você morre e reencarna irlandês, ou aceita que nunca vai pegar todas as referências.
- A intertextualidade do livro exige alguns conhecimentos cuja procura, por vezes, extremamente maçante; além do fato de que Ulysses é, por vezes, um livro fácil de nos engolir com seus detalhes. Para evitar qualquer desespero e entender melhor a obra, procure as anotações disponíveis em The Joyce Project, Sparknotes, UlyssesGuide.com, CliffsNotes e Shmoop; embora esses sejam os mais acessíveis, existe uma infinidade de sites e livros com ótimos comentários acerca de Ulysses. As introduções escritas por Cedric Watts e Declan Kibert são bastante úteis!
- Se quiser compreender bem o livro, leia o capítulo sublinhando as palavras desconhecidas; depois, anote o significado delas; por fim, leia o capítulo novamente.
- Se quiser uma compreensão ainda melhor, leia o texto original. Muitos dos capítulos oferecem trocadilhos, piadas e uma musicalidade intraduzível. Alerto que é uma leitura muito difícil, então recomendo ler o original em uma segunda visita ao livro.
Espero que essas dicas sejam úteis!
Conclusão? A vida é curta demais pra não (re)ler Ulysses.