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Lendo as reviews, realmente sinto que as pessoas perderam a capacidade de lidar com o contraditório. Acho que por isso esse livro é tão provocativo e polêmico e, ao mesmo tempo, tão relevante.
É tempo em que o desejo pelo puro, pelo casto, pelo intocado, é glorificado; e a humanidade, em tudo de ruim e melancólico que lhe corresponde, é jogada às traças. É preciso ser perfeito. E o sentir real, frequentemente contraditório, por não ser perfeito, sob esses moldes muito óbvios e reiterados de certo e errado, não merece comiseração.
Para certa gente, expor e se compadecer é endossar. Quando não há pureza, expia como se culpa fosse; ou justifica, se lhe convém. O resultado é que, quando não soam anacrônicos, soam moralistas; quando não soam moralistas, soam hipócritas. Em alguns casos, soam tudo isso ao mesmo tempo.
São quase tão católicos em sua culpa e julgamento quanto qualquer beata que passeia por aí.
Tudo é Rio, com sua capacidade de não ser o esperado, mexe com essa moralidade muito flácida de quem pensa que nunca errou ou pensa tanto de si e de sua visão de mundo que esquece do outro.
Mesmo o aspecto mais negativo, a tendência ao naturalismo, que flerta com certa visão arquetípica dos personagens, é consistentemente interrogado. O sentimento, que é o que move realmente a trama, desfaz ou pelo menos questiona esses arquétipos; e as incursões por traz da vida de cada um também rompem as aparências. Por isso, dificilmente poderia ser acusado de ser um livro simplista na forma de lidar com os personagens. É uma obra muito capaz de compreender cada um deles e transmitir as suas mudanças, por mais que essas mudanças não sejam o que a gente quer ou espera.
De fato, como o foco não está na sociedade e nas condições de vida (pra isso, vá ler Jorge Amado), mas sim nos sentimentos e nas formações psicológicas que lhes correspondem, uma abordagem dos personagens desse tipo é muito mais eficaz do que os rodeios de trama. Aliás, nessa interrogação do arquétipo ou o seu uso inteligente é que mora o charme de um García Lorca. É também fruto dessa tradição o plot twist melodramático e as incursões do narrador.
É livro pra reler, eventualmente. Por enquanto, é isso. Joguem pedras!